Capítulo 1 - O Tribunal Interno

    
    Estava decidido!
    Apesar de reconhecer que não eram os maiores, nem mais graves, eu tinha meus motivos;  era o que importava.

    Tomei um a um...
    Não queria ver o nascer daquele dia.
    Era simples, rápido.
    A ninguém afetaria.

    Senti meu corpo amolecer...
    E, pouco a pouco, meus olhos fecharem...
    Mas ainda estava viva.

    Diante daquele grande tribunal interno, senti-me um tanto apreensiva.
    No entanto, não pensei em voltar atrás.

    Passei então a expor minhas razões ao representante de todo o corpo, o cérebro.
    Ele me pareceu equilibrado e bem compreensivo, me ouviu atentamente.
    Quando terminei, me fez um pedido:
    - Em nome de todos os órgãos e componentes desse corpo, agradeceria se nos concedesse três dias para avaliarmos o caso  e tomarmos uma decisão.
    Em respeito à razoabilidade que ele demonstrara ao me ouvir, decidi atender o pedido.

    Todos souberam da reunião de emergência.

    Em pouco tempo os representantes de todo o organismo estavam presentes.
    Alguns não faziam ideia do que se tratava.
    Outros mostravam pelo semblante que estavam bem cientes...
    - Desgaste dum coração!? Ora, eu estou aqui, vivinho da silva! - indignou-se o representante de tal órgão, diante da explicação de meus motivos pelo cérebro.
    - Precisamos ficar calmos. A situação é delicada. Ela me pediu que todos parássemos e deixássemos de lhe dar vida. - disse o cérebro - Ela desistiu de existir, pois se sente vazia, como se estivesse sem coração. Acredito que ela não sabe que não é de vocês que reclama, mas sim de mim. O sofrimento dela realmente é real, e eu sei bem seus porquês. - completou.
    - Mas... E quanto a nós? De que temos culpa? Queremos viver! - protestou a boca, sempre a mais falante.

    No princípio, eu estava indiferente àqueles argumentos. Mas depois passei a prestar mais atenção no que diziam.

    - Acredito que não temos mais o que fazer... Ela me encheu de remédios, me sinto um tanto zonzo, não consigo pensar numa maneira de reverter essa situação.
    De fato, o cérebro estava fora de seu normal.
    - Das longas caminhadas... - todos olharam para o representante dos membros inferiores - é uma das coisas de que sentirei falta. – explicou.
    Então me lembrei que antes de perder a alegria na vida eu costumava caminhar e pensar nas coisas belas.
    - Eu e meu irmão sentiremos falta de sustentá-la. Lembro-me dos nossos primeiros passos... Foi tão emocionante fazê-la sorrir! E os pais dela... Como ficaram bobos! - um dos pés completou induzido pela declaração anterior.

    E cada um falou das coisas que os fizera feliz até aquele tempo, de como era bom exercer suas funções.

    O cérebro ouviu aquilo atentamente e, lentamente me fez lembrar os bons momentos e de como os maus  me ajudaram a valorizar o que era importante.
    - Eu acelerei em cada um desses momentos, mas parece que ela não percebeu e, aos poucos, me esqueceu. Não, eu não sou a fonte dos sentimentos, mas recebi o mérito disso, pois a cada bom momento, todos vocês me ensinaram a dar prazer a ela. Agora por algum motivo externo ela me condena. Se for o que ela quer, então há uma última coisa que quero fazer: agradecer a vocês, meus amigos, por todas as sensações e bons momentos juntos, trabalhando em equipe. - desabafou o coração.
    - Talvez eu também tenha culpa... Essa minha mania de guardar tudo... Eu achei que estava fazendo o certo... Eu...
    - Não! - interrompi - Parem com isso! Vocês têm feito tudo certo, trabalhando em equipe por todo esse tempo. Perdoem-me o egoísmo, eu voltarei atrás e viverei por cada bom momento que me possibilitaram ter! Prometo colaborar, só não sei como...

    - Pode começar abrindo os olhos agora. - disse o cérebro.
    Saí do coma de três dias.

    (...)

Capítulo 2 - Um Passado Pouco Distante, Um Presente Ausente


    (...)

    Obedeci à sugestão e abri os olhos.
    Minha visão:
    Resumidamente um quarto de hospital.

    "Quem me trouxe aqui?", pensei.
    Eu morava sozinha, não tinha empregada. Tudo que tinha era um peixinho belga, solitário como eu.
    Trabalhava como caixa de um mercadinho próximo e não era muito de amigos.

    Quando mamãe soube que teria mais um filho, ficou feliz, mas não era o que esperava.
    Meus pais estavam prestes a separar-se quando nasci e, por mim, isso não aconteceu.
    Não naquele momento.
    Às vezes, achava que seria melhor se tivesse acontecido, pois ambos eram infelizes.
    Meu pai infiel só chegava depois das 2 da manhã. Quanto à minha mãe, se matava de trabalhar para nos sustentar enquanto minha irmã mais velha vivia no seu mundo de rebeldia. E eu ajudava mamãe.
    Quantas vezes um tapa direcionado a minha irmã, atingia meu rosto...
    Eu sabia não ser a primeira a passar por aquilo, mas mesmo assim doía.
    Eu fingia ser feliz, e às vezes era.

    Quando minha mãe me dava uns trocados, eu os usava para ir caminhar na praia.
    Conheci algumas crianças bondosas que brincavam comigo naqueles dias.
    Admirava a alegria daquelas famílias.

    Quando conheci Lucas, as coisas pareciam mudar...
    Estava preste a terminar o segundo grau quando nós decidimos nos casar.
    Eu era uma garota inteligente e ele, sincero, pelo menos naquela época.
    Eu tinha o poder de mudar minha trajetória e queria com todas minhas forças fazer isso.
    Fomos felizes pelos dois primeiros anos.

    Até que minha mãe faleceu.
    Meu mundo caiu.
    Lucas não conseguiu compreender minhas crises e me deixou um ano depois.

    Ouvi dizer que ele está bem e montou uma linda família.
    Não o culpo de nada.

    Resolvi me mudar daquele lugar e saí sem destino: consegui meu emprego nessa cidade grande, aluguei um apartamento num prédio humilde e segui a vida.
    As pessoas sempre me encararam como uma estranha egoísta, talvez por que eu nem lhes dirigia um bom dia.
    Seu Pedro era piedoso e por isso me deu o emprego. Quanto aos outros só me julgavam ou faziam mexericos.
    Existia um vizinho meio fofoqueiro que sempre queria saber das minhas coisas, nunca dei ideia pra ele.
    A mãe dele era da mesma laia. Não sei como existem pessoas assim!

    - Olha quem está acordada! - disse um homem que me pareceu ser o médico.
    Enfim vou saber como vim parar aqui!

    (...)

Capítulo 3 - O Suposto Fim do Coma


    (...)

    Pois bem, aquele senhor de uns cinquenta e poucos anos  parecia ser aquele que me ajudaria a entender aquilo tudo.
    Mas antes que eu perguntasse qualquer coisa...

    - E como está essa mocinha dorminhoca?! Enfim acordou... Estávamos preocupados com você! - disse amigavelmente.
    - Estou bem, obrigada. - tive de responder, era o que meus lábios queriam que eu fizesse. - Eu...
    Parecendo perceber um tom de pergunta em minha voz, o senhor me interrompeu:
    - Deve estar se perguntando como veio parar aqui. - leu meu pensamento, apesar de naquele momento parecer óbvia a minha dúvida. - Ás vezes possuímos amigos que desconhecemos... Não se preocupe, minha filha, amanhã você terá alta e esquecerá esse episódio.

    Aproximou-se respeitosamente e continuou:
    - A propósito, me perdoe a má educação. Sou o Dr. Freitas, é um prazer conhecê-la, senhorita... - olhou minha prancheta – Diniz... Mariana Diniz!
    - Igualmente. - respondi automaticamente, apesar de achar aquele senhor um tanto simpático.
    - Alguém já lhe disse que a senhorita tem olhos lindos?

    Fiquei sem ação. Antes eu daria uma reposta desaforada, mas entendi que ele estava sendo apenas gentil. Já estava na hora de sair da defensiva. Além do mais, acho que meus olhos ficaram felizes com aquele elogio.
     -... Quando eles chegaram aqui estavam tão apagadinhos.Você estava um tanto anêmica, menina, precisa cuidar melhor de sua saúde... - aconselhou, mal sabendo que eu não me importava nem um pouco com  minha saúde. - Muitas vezes somos os responsáveis pelo bom ou mau funcionamento de nosso corpo...
    Lembrei da conversa que tive com meu eu interno, eu dependia de uma resposta deles, eles dependiam de uma decisão minha, somos uma equipe.
    -Bem preciso ir... Novamente, foi um prazer conhecê-la! - despediu-se, sem responder direito à minha pergunta.

    Pela brecha da porta que deixou ao passar, pude ver um jovem aflito encontrá-lo.
    Pareceu-me familiar.

    (...)

Capítulo 4 - O Encontro com a Realidade


    (...)

    Acordei bem cedo, estava louca para ir embora. Talvez na recepção eu conseguisse o nome de alguém para que eu pudesse pagar a ele ou a ela pelas despesas e tudo voltaria a ser como antes...
    Porém, a recepcionista me disse ser confidencial tal informação. Fiquei sem chão.

    Mas resolvi deixar pra lá.

    Ao sair daquele hospital, um táxi buzinou.
    Ignorei. Não tinha um centavo.
    Buzinou novamente, e ainda por mais uma terceira vez.

    Resolvi parar quando ouvi meu nome ser chamado.
    Ao entrar no táxi deixei claro que não teria como pagá-lo.
    - É só uma carona, vizinha - disse o  motorista.
    - Vizinha? - Estava ainda mais confusa.
    - Sim, não está me reconhecendo? Seu Jorge, bloco 3... O das compras; você trabalha no mercadinho do seu Pedro, não é?
    - Trabalhava... Acho que depois dessas faltas não trabalharei mais.
    - Ah, seu Pedro é gente fina. Conversa com ele! Afinal, toda a vizinhança sabe que a senhorita ficou doente.
    - SABE? - corei, agora todos devem me achar uma louca homicida.
    - A turma das fofoqueiras ficou curiosa para saber o porquê, mas o Carlinhos não quis dizer, e não fez mais do que o certo.
    - Carlinhos?
    - É... O Carlinhos... Ele mora no apartamento ao lado do seu, estuda medicina, entrega jornais pra ajudar a mãe, dona Maria... Menino esforçado, aquele!

    Droga, o bendito fofoqueiro invadiu a minha casa e me levou pro hospital! Ah, ele...
    Espere aí, ele me tirou a oportunidade de descansar em paz, certo?
    Mas devolveu-me a perspectiva de VIVER  em paz.

    Devo agradecer-lhe.
    Devo?
    Mas é claro! É o que vou fazer.

    (...)

Capítulo 5 - Um Real Primeiro Encontro


   (...)

    Eu nunca tinha reparado nos apartamentos ao meu redor.
    Não que eu não os visse, eu apenas os ignorava, como eu fiz com pessoas como o seu Jorge...

    Senti um grande remorso, então me dirigi ao apartamento de Carlos.
    Muitas vezes ele tentou me convidar pra sair, mas acho que nunca lhe dei idéia, e pelo que lembre, ele não era nada feio, e... Médico? Interessante...

    Vi-me diante ao apartamento 202 arrumando o cabelo e passando gloss nos lábios.
    Preparada, apertei a companhia.
    Dona Maria atendeu. Surpreendeu-se, mas foi simpática. Conversamos um pouco, provei um delicioso bolo de laranja...
    - Enfim, minha querida, em que posso ajudá-la. - perguntou amavelmente.
    - Gostaria de falar com seu filho, ele está?
    - Ah, o Carlinhos saiu com a nova namorada...
    O termo “namorada” caiu como uma bomba em minha concepção. Eu estava totalmente errada quanto às intenções de Carlos. Ninguém merece, eu dando uma de adolescente, 27 anos na cara...
    - Ah, sei... Eu só queria agradecê-lo, mas já que ele não está, acho que já vou, eu...
    - Mas ele não vai demorar; hoje ele não tem estágio. Espera mais um pouco!
    - Obrigada, mas preciso ir agora – disse, levantando-me toda sem graça.

    Nesse instante, Carlos chega com a tal namorada.
    Não sabia aonde enfiar a cara.
    - Oi! Como você está? Tentei vê-la ontem, mas não consegui. Olha, Cássia, essa é a Mariana.
    “A homicida”, pensei.
    - Prazer, sou Cássia.
    - Prazer... - nunca estive tão sem graça. – Olha, eu vim agradecer-lhe por ter me levado ao hospital, eu... Eu irei pagá-lo... – disse, indo em direção a porta. – Obrigada, novamente, e até breve. Foi um prazer, adeus...

    Foi maravilhoso estar dentro de casa novamente, principalmente depois daquilo.
    Logo esqueceriam, ou talvez nem tenham se dado conta de meu incômodo.
    Porém, meu alívio foi pouco. Meia hora depois tocam a companhia.
    Era Carlos.
    Dessa vez, sozinho.
    Pensei em ignorá-lo, mas não devia. 

    Abri e não o deixei entrar; saí e fechei a porta atrás de mim.
    - Posso ajudá-lo? – disse, cinicamente, como se ele me devesse algo, como uma explicação.
    - Me perdoe, Mariana, eu... - parecia estar escolhendo palavras.
    - Você...
    - Eu a tenho observado a algum tempo. Tenho uma certa curiosidade por pessoas como você.
    - Como eu?
    - É, pessoas misteriosas, reservadas e...
    - Mal educadas. É, eu sei, me desculpe, você sempre foi bem simpático, eu até pensei que...
    - Que eu gostava de você?
    - É, pode se resumir assim.
    - Olha é difícil me atrair por quem mal conheço, mas como já disse, algo em você me chamou atenção. 

    Sorriu. Não sei como, eu estava totalmente tensa.
     - Alguns amigos me dizem para parar de ler aqueles livros de psiquiatria, mas eu não consigo, a mente humana me fascina.
    Perguntei-me como ele foi capaz de mudar tão bem de assunto.
    - Que bom.
    - Mas, voltando ao assunto, eu...
    - Como me encontrou?
    - Eu a vi chegar naquela sexta um tanto abalada, fiquei preocupado. Pois diferente da indiferença que você transmitia normalmente, eu percebi uma alteração a mais. Pela manhã não a vi sair pra trabalhar e, quando fui entregar os jornais para o zelador, eu notei que a porta estava encostada. Chamei seu nome, mas não houve resposta. Entrei e a vi deitada no sofá. Tentei reanimá-la, mas em vão. Daí, a levei para o hospital. Perdoe-me a indiscrição e o furo de sua privacidade.
    - Tudo bem, eu... Eu agradeço.

    Tinha me esquecido de fechar a porta...
    Meu Deus, obrigada!
    Estava explicada a incógnita.

    (...)
 

Capitulo 6 - Um Benéfico Mal Entendido


    (...)

    Sempre acreditei que no mundo existiam dois tipos de pessoas: os racionais e os emocionais.
    Depois descobri em mim um terceiro tipo - aqueles que apenas fingem ser um dos dois.
    Enquanto fechei-me para o mundo, eu esperava que alguém se interessasse em tentar me decifrar.
    Pode parecer estranho um desconhecido fazer isso, mas aconteceu comigo.

    Carlos faz parte dum quarto tipo de pessoa: os equilibrados.
    Esses são sensíveis como os emocionais e fortes como os racionais, era o que sempre quis ser. Diante disso apeguei-me cada vez mais fortemente a meu novo amigo.
    Os chamados “sintomas platônicos” sumiram aos poucos. Toda a secura na garganta, o suor nas mãos e tudo mais deram lugar a uma sensação de bem estar e confiança.
    Às vezes, a teimosia dele me irritava, mas em outras, me ensinava a ser perseverante.
    Cássia também era muito bondosa e amável, começamos juntas num curso intensivo de línguas. Era quase um hobbie.

    Tudo corria dentro do controle, até que algo estranho pareceu ameaçar toda aquela paz.
    Certo dia, ao voltar para o trabalho depois do almoço vi algo que não desejava ter visto.
    Cássia estava de mãos dadas com um rapaz, mas não era Carlos.
    Aproximei-me para ter certeza de que era ela mesmo. Acabei presenciando um beijo.
    Não tive coragem de falar com ela, estava confusa e não entendi o que se passava.
    Depois de pensar naquela cena a tarde inteira, percebi que era importante ser sincera com meu amigo.

    Fomos jantar naquela noite.
    Ele estava de folga do estágio, então poderíamos conversar à vontade.
    No principio, resolvi falar de outras coisas, estava um tanto desconfortável com aquilo.
    Ele percebeu meu desconforto, fazia pouco tempo que éramos amigos, mas como o tempo de uma amizade nunca se conta, ele já me conhecia bem.
    - Você viu o quê?! - perguntou um tanto pasmo, depois de contar o acontecido.
    - Foi o que você ouviu. - Minha voz ficava cada vez mais baixa.
    - Traíra!!! - expressou-se com um leve sorriso.

    Fiquei mais confusa ainda. Já ouvi falar de namoros liberais, mas nunca concordei com estes e, ao meu ver, não fazia o estilo de Carlos.
    - Ela podia ter me contado! - continuou. – Mariana, me prometa que se você arranjar alguém, vai me contar primeiro.
    - Não estou entendendo.
    - O quê?
    - Como o quê? Sua namorada está com outro e você apenas decepciona-se como o fato dela não ter te confidenciado esse “babado”? - estava indignada, a reação dele fugia a minha concepção.
    - Namorada? Você acha que eu e Cássia somos namorados?
    - Foi o que sua mãe disse... E vocês sempre estão juntos.
    - Não seria pelo fato de estudarmos juntos, de sermos amigos de infância? Um homem não pode estar com uma mulher sem estar apaixonado por ela ou ela por ele?
    - Mas... e quanto ao que sua mãe disse?
    - Dona Maria sempre quis Cássia como nora e, visto que estávamos sempre juntos, ela concluiu isso. Uma vez até tentamos, mas descobrimos que o que sentimos é só amizade.

    Percebi que havia me precipitado em conclusões, senti meu rosto esquentar e quando isso acontece logo fico vermelha.
    - Desculpe-me, eu...
    - Tudo bem, obrigado por se preocupar em me dizer. Não precisa ficar envergonhada. - sorriu.
    Depois disso ambos ficamos um tanto pensativos, a conta chegou e continuávamos calados.
    No ônibus achamos apenas lugares separados, ele sentou-se a frente e eu na outra fileira um pouco mais atrás.
    De vez em quando ele olhava em minha direção, sorria e voltava a olhar pra frente.

    - Acho que ele gosta de você... - disse uma velhinha ao nos observar.
    “Acho que eu também gosto dele”, pensei.

    (...)

capítulo 7 - O Despertar do Real Coma


    (...)

    “Ás vezes nos perguntamos porque não somos felizes, ou se assim somos, porque sentimos um vazio inexplicável”.
    Tudo isso se dá porque muitas vezes negligenciamos uma necessidade que todos os humanos tem em comum.
    Sabe qual é?”

    Ouvi essas sábias palavras de uma menininha chamada Estela.
    Junto com sua mãe, estava tentando entrar no prédio, mas não conseguiam. Por isso, apertaram meu interfone.
    Fiz questão de descer e atendê-las. As convidei a entrar e conversamos um pouco.
    Depois daquilo cheguei à conclusão que meu coma não durou apenas três dias, mas sim, toda minha vida.
    Eu fui a extremos buscando o equilíbrio. Fugi dos problemas que tinha, colocando toda minha expectativa de felicidade em Lucas. Fui extremamente infeliz e feliz ao mesmo tempo.

    Mas, enfim, não adiantava mais chorar pelo leite derramado.
    Tudo estava diferente agora.
    Boas coisas não começaram a acontecer do nada. Elas sempre existiram, mas eu não as enxergava.
    Mudei a maneira de encará-las, e assim, achei o tal equilíbrio entre o racional e o emocional.
    Também descobri que ninguém é totalmente um dos dois.

    Liguei para minha irmã Luíza naquele mesmo dia.
    Ela, que me parecia tão fria, reagiu totalmente diferente do que eu imaginava.
    Marquei de visitá-la e enfim conhecer minha sobrinha, Manuela.


    Acho que já contei que iniciei um curso de línguas, não é?
    Bem, fomos convidados para um intercâmbio na Europa. Aceitei na hora!
    Tudo planejou-se em pouco tempo.
    Resolvi contar a meus amigos apenas quando tivesse certeza. Quando isso aconteceu, todos ficaram alegres por mim. Cássia resolveu não ir devido a alguns cursos que planejara fazer por aqui.

    O que me pareceu estranho foi a reação de Carlos. Ele me cumprimentou, mas depois disso ficou um pouco calado, o que não era seu normal.
    Eu também havia pensado em como seria ficarmos tão longe por seis meses, mas passava rápido e seria muito boa para mim essa viagem.
    Eu ficava triste em deixar meu amigo, mas poderíamos nos comunicar sempre.
    Bem, resolvi respeitar o tempo dele, quem sabe depois ele entendesse.

    Passaram-se alguns dias, meu passaporte estava pronto, as malas já estavam quase arrumadas; já havia conversado até com seu Pedro, meu atual patrão, mas... nada  de Carlos.
    Nenhum telefonema, nada!
    Será que ele estaria magoado comigo? 

    (...)

Capítulo 8 - A Inesperada e Tão Esperada Despedida


    (...)

    Enquanto ele estava sumido, o tempo passava mais lento.

    Ele podia estar ocupado na faculdade, ou com o novo emprego.
    Na verdade não entendi por que ele deixou de ajudar o zelador com os jornais, era pouco, mas era o suficiente pra ele comprar suas coisinhas e afinal, ele tinha mais tempo livre para que nós conversássemos.

    No dia da viagem, passei por seu apartamento e ele não estava.
    Liguei para seu celular, desligado.
    De “Carlos, sempre disposto”, seu nome passou para “incomunicável ocupado”.

    Quando cheguei no aeroporto, quase tive torcicolo em olhar tanto pra trás. Era mês de férias e tudo estava  muito agitado.

    “Será que ele nem vem se despedir?”, pensei.
    Tudo indicava que não, isso ficou ainda mais claro quando anunciaram o meu vôo.

    Ao ir para o portal, desisti de esperá-lo.
    Um sentimento de estar esquecendo de algo invadiu-me, era como se faltasse mesmo algo.
    Olhei por uma última vez e ninguém nem mesmo parecido com ele avistei.

    Até que meu celular vibrou.
    Vibrei junto quando imaginei quem poderia ser.
    Enquanto a multidão me empurrava pelo corredor, tentava atender o bendito telefone.
    Número desconhecido, atendi mesmo assim.
    Enfim, ouvi a voz que desejava tanto ouvir.

    Ao olhar pra trás por uma segunda última vez, finalmente o vi, observando ao longe, com um celular emprestado e acenando como um louco, acenando com um doce sorriso de até logo...
                                                                  
    Um fim de uma história não é nada mais do que um começo de outra.

    (...)

Créditos


Autora:

     Thamires S.S



Agradecimentos:

    A todos que pacientemente leram meus emails.
    Seguem alguns:

    Michely
    Luana
    Gabriel
    Luis Felipe
    Tatiana

Capítulo 1 - Enquanto Ela Não Volta

    Você já deve ter assistido a aqueles filmes que dividem a escola entre populares e nerds.
    Mas esqueça aquela idéia de nerd com cabeça na privada.
    Imagine um nerd legal, bonito e popular...

    Bem, isso era tudo o que eu queria ser.

    No ginásio eu era um menino atentado como qualquer um.
    Aprontava muito com meus “amigos” peraltas e bati o recorde em advertências.
    Escola pra mim era sinônimo de bagunça e durante essa época adquiri certas marcas que me lembram do arrependimento de ter feito certas escolhas.

    Já no fim do ensino fundamental, meu pai adoeceu e faleceu em pouco tempo.
    Minha mãe e ele se amavam muito e vê-lo naquela situação causou nela danos irreparáveis.
    Diante desses fatos, tive de aprender a me virar, e cuidar de minhas coisas, enquanto a socorria em suas muitas crises.

    Ela tentou suicídio algumas vezes...
    No começo eu sentia muita raiva por ela ter me trocado por sua imensa e constante tristeza.
    Com o tempo a entendi; eu também sentia falta de meu pai e lembrar suas tentativas em me ensinar a ser um homem enquanto eu só o magoava me corrói como uma doença deixada propositalmente para que eu aprendesse a ter consciência.

    Não pude deixar a dor me destruir; e rebelar-me acabaria me fazendo perder o que restara: o amor de minha mãe.
    Meus amigos de traquinagem não me entenderam, o que já era esperado.

    Fui acolhido por Cássia, que fazia parte do grupo dos nerds.
    Eles me apresentaram um mundo bem diferente: o mundo dos livros.

    Meus sentimentos de incapacidade diante ao acontecido com meus pais e o incentivo desses novos amigos me inclinaram a estudar medicina.
    Na formatura vi o resultado de meu esforço no sorriso de minha mãe, orgulhosa e satisfeita.
    Alegria semelhante vi em seus olhos quando eu passei no vestibular.

    Foi no quinto período da faculdade que Mariana apareceu em minha vida. 

    (...)

Capítulo 2 - A solitária intrigante


    (...)

    Desde que me entendo por gente moro nesse condomínio.
    Alguns apartamentos eram alugados periodicamente e em meu andar havia um vago.
    Foi pra onde Mariana mudou-se.

    Ela trouxe poucas coisas como mudança. Estranhei isso, vindo de uma mulher.
    Mas ela não era como as outras, ela trazia uma tristeza no olhar que desde o princípio me chamou atenção.

    Resolvi me oferecer pra ajudar a montar algo, seu marido provavelmente estava trabalhando.
    Descobri que ela não estava mais casada.
    Lembro de como ela estava vestida: bermuda velha, camiseta branca e cabelos presos.
    Nenhuma bijuteria, exceto um colar com duas alianças penduradas.
    Sua expressão firme e de poucos amigos mostrou-me que não queria minha ajuda, muito menos minha companhia.
    Mas eu era persistente e não desistiria tão fácil.

    Você pode achar que por uma mulher como ela não valeria a pena o esforço.
    - Espera aí, como assim “uma mulher como eu”? Explique-me isso direito. - primeira interrupção.
    - Desarrumada e mal educada, oras. - respondi sem perceber com quem estava falando. - Ei, você não deveria estar viajando Mariana?
    - E estou. Mas nem por isso vou me desligar de minha história! - estava indignada a intrometida.
    - Da licença, essa é minha vez de contar minha versão dos fatos.
    - É, pode ser. Mas pega leve nas descrições!
    - Ah... Volte a se concentrar em sua viagem, bye bye!
    - Eu continuo de olho. -advertiu


    SEGUNDA TOMADA

    Continuando...

    Pessoas como Mariana me intrigavam e confesso que apesar de tudo ela sempre foi bonita.
    - Ah, agora melhorou! - segunda interrupção.
    - MARIANA!
    - Tá, tá, estou saindo!


    TERCEIRA TOMADA

    Foram meses levando foras e outros de indiferença.
    Ela era dura na queda.
    Nem o S. Pedro, dono do mercado em que ela trabalhava, sabia alguma coisa daquela mulher!

    Dias passaram e passei a ajudar o zelador, seu Antônio, a entregar os jornais; ela sempre os lia.
    Era minha chance!

    Numa sexta a vi chegar do trabalho, corri a seu encontro.
    - Oi vizinha... É Mariana seu nome, não é? - puxei assunto.
    - Depende. O que você quer? - disse seca, como sempre.
    - Eu vim entregar-lhe o jornal. - era minha desculpa.
    - E por que não deixou em minha porta como em todas as outras? – “Ou essa mulher é burra ou finge ser assim”, pensei.
    - Porque eu quis ver e falar com você... Posso, ‘Miss Incomunicável’? - Nem acreditei que tinha sido tão direto. Pelo menos foi engraçado vê-la sem ação e sem uma resposta pronta.
    - Então tá. - titubeou. - Você já me viu, já falou comigo e acaba de me ofender. Satisfeito? Me dá o jornal e me deixe descansar. – “Por que eu a deixeiela pensar?”, pensei de novo.

    Ainda tentando impedi-la de entrar, argumentei:
    - Descansar numa sexta linda como essa?
    - Pra mim é como qualquer outra sexta feira. - outro fora.
    - Então a torne diferente, jante comigo essa noite. Tem um restaurante aqui perto que prepara uma macarronada divina. - Ela me olhou como se detestasse macarronada. - Tem também salada se você preferir. - Insisti, esperando um grande e redondo não.
    - Se for pra você me deixar em paz... - vibrei!
    - Te busco ás 20:30, combinado? - nem estava acreditando.
    - É melhor você me esperar lá.

    Ela devia ter me dito pra esperar sentado.
    Foram as três horas mais longas de minha vida.
    Nunca havia levado um bolo tão grande como aquele.

    (...)