Capítulo 1 - Enquanto Ela Não Volta

    Você já deve ter assistido a aqueles filmes que dividem a escola entre populares e nerds.
    Mas esqueça aquela idéia de nerd com cabeça na privada.
    Imagine um nerd legal, bonito e popular...

    Bem, isso era tudo o que eu queria ser.

    No ginásio eu era um menino atentado como qualquer um.
    Aprontava muito com meus “amigos” peraltas e bati o recorde em advertências.
    Escola pra mim era sinônimo de bagunça e durante essa época adquiri certas marcas que me lembram do arrependimento de ter feito certas escolhas.

    Já no fim do ensino fundamental, meu pai adoeceu e faleceu em pouco tempo.
    Minha mãe e ele se amavam muito e vê-lo naquela situação causou nela danos irreparáveis.
    Diante desses fatos, tive de aprender a me virar, e cuidar de minhas coisas, enquanto a socorria em suas muitas crises.

    Ela tentou suicídio algumas vezes...
    No começo eu sentia muita raiva por ela ter me trocado por sua imensa e constante tristeza.
    Com o tempo a entendi; eu também sentia falta de meu pai e lembrar suas tentativas em me ensinar a ser um homem enquanto eu só o magoava me corrói como uma doença deixada propositalmente para que eu aprendesse a ter consciência.

    Não pude deixar a dor me destruir; e rebelar-me acabaria me fazendo perder o que restara: o amor de minha mãe.
    Meus amigos de traquinagem não me entenderam, o que já era esperado.

    Fui acolhido por Cássia, que fazia parte do grupo dos nerds.
    Eles me apresentaram um mundo bem diferente: o mundo dos livros.

    Meus sentimentos de incapacidade diante ao acontecido com meus pais e o incentivo desses novos amigos me inclinaram a estudar medicina.
    Na formatura vi o resultado de meu esforço no sorriso de minha mãe, orgulhosa e satisfeita.
    Alegria semelhante vi em seus olhos quando eu passei no vestibular.

    Foi no quinto período da faculdade que Mariana apareceu em minha vida. 

    (...)

Capítulo 2 - A solitária intrigante


    (...)

    Desde que me entendo por gente moro nesse condomínio.
    Alguns apartamentos eram alugados periodicamente e em meu andar havia um vago.
    Foi pra onde Mariana mudou-se.

    Ela trouxe poucas coisas como mudança. Estranhei isso, vindo de uma mulher.
    Mas ela não era como as outras, ela trazia uma tristeza no olhar que desde o princípio me chamou atenção.

    Resolvi me oferecer pra ajudar a montar algo, seu marido provavelmente estava trabalhando.
    Descobri que ela não estava mais casada.
    Lembro de como ela estava vestida: bermuda velha, camiseta branca e cabelos presos.
    Nenhuma bijuteria, exceto um colar com duas alianças penduradas.
    Sua expressão firme e de poucos amigos mostrou-me que não queria minha ajuda, muito menos minha companhia.
    Mas eu era persistente e não desistiria tão fácil.

    Você pode achar que por uma mulher como ela não valeria a pena o esforço.
    - Espera aí, como assim “uma mulher como eu”? Explique-me isso direito. - primeira interrupção.
    - Desarrumada e mal educada, oras. - respondi sem perceber com quem estava falando. - Ei, você não deveria estar viajando Mariana?
    - E estou. Mas nem por isso vou me desligar de minha história! - estava indignada a intrometida.
    - Da licença, essa é minha vez de contar minha versão dos fatos.
    - É, pode ser. Mas pega leve nas descrições!
    - Ah... Volte a se concentrar em sua viagem, bye bye!
    - Eu continuo de olho. -advertiu


    SEGUNDA TOMADA

    Continuando...

    Pessoas como Mariana me intrigavam e confesso que apesar de tudo ela sempre foi bonita.
    - Ah, agora melhorou! - segunda interrupção.
    - MARIANA!
    - Tá, tá, estou saindo!


    TERCEIRA TOMADA

    Foram meses levando foras e outros de indiferença.
    Ela era dura na queda.
    Nem o S. Pedro, dono do mercado em que ela trabalhava, sabia alguma coisa daquela mulher!

    Dias passaram e passei a ajudar o zelador, seu Antônio, a entregar os jornais; ela sempre os lia.
    Era minha chance!

    Numa sexta a vi chegar do trabalho, corri a seu encontro.
    - Oi vizinha... É Mariana seu nome, não é? - puxei assunto.
    - Depende. O que você quer? - disse seca, como sempre.
    - Eu vim entregar-lhe o jornal. - era minha desculpa.
    - E por que não deixou em minha porta como em todas as outras? – “Ou essa mulher é burra ou finge ser assim”, pensei.
    - Porque eu quis ver e falar com você... Posso, ‘Miss Incomunicável’? - Nem acreditei que tinha sido tão direto. Pelo menos foi engraçado vê-la sem ação e sem uma resposta pronta.
    - Então tá. - titubeou. - Você já me viu, já falou comigo e acaba de me ofender. Satisfeito? Me dá o jornal e me deixe descansar. – “Por que eu a deixeiela pensar?”, pensei de novo.

    Ainda tentando impedi-la de entrar, argumentei:
    - Descansar numa sexta linda como essa?
    - Pra mim é como qualquer outra sexta feira. - outro fora.
    - Então a torne diferente, jante comigo essa noite. Tem um restaurante aqui perto que prepara uma macarronada divina. - Ela me olhou como se detestasse macarronada. - Tem também salada se você preferir. - Insisti, esperando um grande e redondo não.
    - Se for pra você me deixar em paz... - vibrei!
    - Te busco ás 20:30, combinado? - nem estava acreditando.
    - É melhor você me esperar lá.

    Ela devia ter me dito pra esperar sentado.
    Foram as três horas mais longas de minha vida.
    Nunca havia levado um bolo tão grande como aquele.

    (...)

Capítulo 3 - A Explicação


    (...)

    Depois de tamanha desfeita prometi a mim mesmo que ela iria se arrepender.
    Ela ouviria poucas e boas logo de manhã quando saísse pra trabalhar.
    Acordei atrasado e ela já tinha ido.

    À noite, ela não escaparia!
    Fiquei a esperando no mesmo horário de sempre.
    Ela chegou exatamente na hora que previ, mas algo estava diferente...
    Em vez de uma feição firme e impenetrável, seu olhar estava frágil e alterado.
    Vi suas lágrimas caírem enquanto seu rosto se avermelhava.
    Toda a imagem de mulher forte e malcriada deu lugar a uma imagem de mulher vulnerável e confusa.
    Quis segui-la e perguntar sobre o que havia acontecido, mas percebi que tudo que ela queria era ficar sozinha.
    Cheguei até a me aproximar da porta, mas recuei antes que piorasse as coisas.
    Toda a raiva que sentia dela transformou-se em compaixão.
    Lembrei-me das crises que minha mãe tinha e não consegui pregar o olho naquela noite.
    Decidi que logo cedo iria ver como ela estava.

    Foi o que fiz, tinha que entregar alguns jornais para o zelador e aproveitaria para passar no apartamento de Mariana.
    Chamei umas cinco vezes e, nada.
    Comecei a ficar preocupado; naquele instante senti o mesmo medo que senti quando em algumas vezes  minha mãe havia tentado suicídio.
    Resolvi abrir um pouco a porta, estranhamente ela estava apenas encostada.
   Já eram 8:30 da manhã, ela estava atrasada para o trabalho.
    Entrei devagar chamando por seu nome, até que a encontrei no sofá, desmaiada.
    Aconteceu o que eu temia.
    Controlei minhas emoções e sabia que o desespero não ajudaria.
    Liguei para um amigo no hospital e chamei a ambulância.
    Ela ainda estava viva.

    O coma durou três dias, pra mim pareceu a eternidade.
    Meu amigo cuidaria dela, mas como eu queria fazer alguma coisa!
    Horário de visitas, ninguém a procurava.
    Não sabia nada de sua família, não sabia nada de sua vida.
    Decidi que eu seria tudo o que ela teria, pelo menos naquele instante eu seria tudo, assim como tudo pra mim naquele instante seria ela.

    Soube de sua alta, ela estava bem e recuperada.
    Não quis buscá-la; não queria assustá-la; mas providenciei tudo pra que ela chegasse em casa bem.
    Quando a vi em minha casa, quase a abracei de alegria, mas preferi não fazê-lo.
    Cássia já sabia da história e dividiu comigo a alegria.
    Conversávamos sempre, nos tornamos amigos.
    Depois de tudo Mariana estava diferente. Eu a amava de uma forma especial.
    Mas não queria confundir as coisas. Tudo estava bom já daquele jeito, não precisava mexer.

    Ela me falou da viagem, eu fiquei feliz por ela, mas acho que nem pude expressar isso, pois outra coisa passou a me preocupar.

    (...)

Capítulo 4 - Indícios


    (...)

    Sinto falta de tudo que deixei no Brasil.
    Conheci muitas coisas novas por aqui, mas nada me faz esquecer as coisas que deixei em meu doce cantinho.
    Carlos não me liga há um tempo, as tarifas são caras essa época do ano, mas algo me diz que não é por isso.

    Ele estava estranho na última ligação, um pouco preocupado, como se tivesse me escondendo algo.
    Sinto falta de meu amigo, quero voltar para vê-lo logo. Ai como eu estou ansiosa!

    - Mas que história enrolada Mariana! - disse uma nova amiga chamada Daniela.
    - E você não sabe nem a metade! - sorri de minha situação.
    - E esse Carlos, será que é só amizade? – indagou.
    - Não sei. Ele é meio indecifrável, sabe? Às vezes me parece que ele sente algo, mas depois fico um tanto confusa com as atitudes dele, como essa de ficar uma semana sem me ligar. 
    - Homens são assim mesmo, amiga. Não sei se são eles que são inseguros, ou se é agente que complica. – filosofou.

    Rimos juntas. 


    *  *  *


    Mariana tinha razão, algo fora do normal estava acontecendo.
    Carlos estava faltando muitas aulas na faculdade, isso era muito incomum, pois ele nunca fazia isso.
    Nas aulas em que estava presente sua mente vagueava, seus colegas estavam preocupados e os professores tentavam saber o motivo daquilo.
    Mas Carlos era um túmulo, sua vida era um segredo trancado a sete chaves.
    Para ele era fácil conversar com os outros sobre os problemas deles, mas tudo se complicava quando se tratava de falar de seus próprios sentimentos.
    Nos corredores apenas se notava sua presença por meio do eco de uma tosse intrusa em seu corpo.
    - Menino, que gripe é essa que não passa?-  perguntou Fabiana, uma de suas colegas de classe.
    - Está tudo bem, Fabiana, fica tranquila.
    Cássia e outros amigos iam sempre visitá-los, estavam preocupados também.

    - Mas ela precisa saber Carlos!
    - Não, Cássia, ela não precisa saber! Eu não quero estragar a viagem dela com uma preocupação.
    - Mas... - tentou argumentar.
    - Nem mas, nem meio mas. Está decidido e ponto final!
    - Você é muito teimoso, mas eu vou estar a seu lado. - garantiu o abraçando. - Falando nisso, acho que está na hora do remédio.
    - É mesmo! 
    A doença se alastrava rapidamente, Carlos sentia saudades de Mariana, mas sua cabeça estava cheia.
    O doutor disse que o principal num tratamento é a cooperação do paciente, o que não era muito o caso.
    “A mente precisa cooperar com o corpo”, ele dizia.

    Em vão. A fatalidade enfim aconteceu, quase que de repente para os que estavam por fora dos detalhes...

    (...)

Capítulo 5 - Informações cortadas


    (...)

    Era o grande dia, enfim voltaria pra casa.
    Olhei a cidade pequenininha pela janela do avião, não havia nada de novo ali.
    O Cristo estava intacto e não haviam construído nenhum outro monumento em seu lugar.
    Seis meses parecera uma eternidade, mas valeu a pena, acho que eu sou a única louca que não gosta de ficar muito tempo em lugares desconhecidos.
    Desci esperando reencontrar grandes amigos, mas tudo que encontrei foi um grande vazio me esperando no aeroporto.

    Não sabia o que tinha acontecido.
    “Será que me esqueceram?”, pensei.
    No táxi, resolvi fazer uma surpresa. Era dia de semana e talvez Carlos estivesse na faculdade.
    Quase que perdida naquele grande lugar, achei melhor ir direto à secretaria e perguntar sobre ele.
    Tal foi minha surpresa ao saber que ele havia trancado a matrícula.
    Ainda meio perdida, sentei-me num banco qualquer.
    “Matrícula trancada? Tem alguma coisa errada.”, pensei.

    - Está procurando o Carlos? - uma jovem interrompeu meu pensamento.
    - É. - respondi sem entender como ela sabia.
    - Eu ouvi você perguntar. Tipo, ele está melhor?
    - Melhor? Ele estava doente? - aumento da confusão em minha mente.
    - É, acho que sim. Mas tipo, ele disse que era só um resfriado, mas ele estava super desatento em algumas aulas. Ele me ajudava em algumas matérias porque sou novata, mas parecia estar sem cabeça. Enfim... Mande um abraço e diga que todos estamos com saudades. Tenho que ir agora. Tchau.
    Fora minha preocupação, imaginei uma médica como aquela menina. “Tipo”, muito louco! Risos.

    Cheguei ao prédio, colocando em minha mente que estava tudo bem.
    Desespero nem sempre ajuda e minhas últimas experiências com sentimentos fortes não foram nada boas.
    O estranho não era o vazio que ali predominava, o estranho era o ar que eu respirava, estava pesado e poluído e ninguém aparecia pra me confortar. Até que vi uma movimentação, homens que nunca vi uniformizados e sérios.
    Desciam com os móveis de Carlos, todos desmontados, tudo estava encaixotado.
    - O que está fazendo? - perguntei a um dos homens.
    - A senhora é a dona Mariana? - perguntou ignorando minha pergunta.
    - É pra senhora. - disse estendendo a mão com um pedaço de papel com um endereço.

    Segui as coordenadas e, ao ver um grande muro branco se aproximar, percebi qual era meu destino.
    O ar que me pesava, saiu totalmente de meu corpo e me deixou ali sozinha.

    (...)

Capítulo 6 - Insuficientes


    (...)

    Quando só ela, apenas ela domina, não há tempo, não há chance, é sua vez de falar.
    Eu a via, a sentia, e mais uma se aproximava. A tristeza e a dor da perda estavam de mãos dadas.
    Caminhando devagar, queria que tudo fosse um sonho, ou melhor, um pesadelo e que eu acordasse logo e tudo estivesse no lugar.
    Senti raiva por não terem me avisado, senti raiva por eu não ter ligado. Não era justo saber daquela maneira.

    O primeiro conhecido era Dona Rosa, que trabalhava na padaria.
    Nem esperança de saber uma explicação, ela estava inconsolável.
    A multidão se afastava para ir embora, minha visão estava um tanto turva, já não via mais nada.
    Perto do túmulo, reconheci Cássia. Ela estava abraçada com um homem que não conheci.
    Logo ambos saíram para outra direção e resolvi me aproximar.
    Sem chão, não acreditava no que estava acontecendo. Caí de joelhos e enfim deixei a emoção falar mais alto.
    Quis gritar, mas não o acordaria; nada o acordaria.
    Mas pelo menos algo eu precisava falar, mesmo sendo tarde demais.

    - Sei que não pode me escutar, mas não faz diferença se eu falar, não é? Vou te contar sobre uma jovem que conheci há algum tempo: Ela acreditava ter perdido seu coração. Até sorrir lhe doía, sabe? Ela estava sozinha... Quem sentiria sua falta? Mas não era só ela, existia muito mais envolvido. Ela estava enganada e continuou se enganando quando resolveu dar a si mais uma chance. Pois ela achou que venceria sozinha, e tentou de novo. Mas ela sabia que o coração que reclamara, realmente não tinha, eles só não a entenderam. Acho que era mais um defeito do que uma perda. Mas ela conheceu alguém que a entendeu e sem segundas intenções lhe ofereceu uma proposta. Era quase um transplante, era preciso certa compatibilidade. Ele se fez compatível, por algum motivo ou por pura bondade. Mas hoje ela se pergunta, se uma vida vale por outra, se valeu a pena o sacrifício. Porque hoje ela tem no peito algo pelo meio e ele acaba de deixar parar sua outra metade.  E você quer saber o fim dessa história? Sinceramente acho que nem eu sei dar um fim pra ela, acho que não consigo.
    - Não é você que diz que o fim não é nada mais do que um novo começo? Por que tanta dificuldade?
    “Só me falta essa, agora estou ouvindo vozes!”

    - O que você está fazendo garota? Levanta daí! - a voz continuou. Eu já a conhecia, mas era loucura, ela parecia muito..., mas não podia ser! Ai meu Deus não me deixe enlouquecer!
    - Você vai continuar desse jeito? Daqui a pouco enterram você. – ironizou.
    No principio não quis me virar, eu ficaria ali até que aquela voz fosse embora.
    Mas a curiosidade foi mais forte, primeiro levantei-me e depois me virei devagar.
    Quando o vi ali, esqueci qualquer possível insanidade e o abracei o mais forte que pude como se fosse pela última vez.
    E descobri que dois é sempre melhor do que um.
    - E se eu for um fantasma? - ele me perguntou.
    - Faz algum tempo que deixei de acreditar em vida após a morte e um abraço tão forte como esse tem de ser real. - respondi sem nem abrir os olhos desejando com todas as forças acreditar no que eu dizia.
    - Eu também acredito que ela está apenas descansando. - concordou.
    - Ela quem? Quem está ali? - direcionei meu olhar, para a lapela, onde estava escrito o nome de dona Maria.

    Daí, pude entender tudo.
    - Eu sinto muito, foi bom saber que não era você, mas eu também não... - não sabia o que dizer.
    - Tudo bem, ela já estava doente há um tempo eu só não quis contar pra você naquele dia que soube de sua viagem.
    - Mas e a tosse? Eu fui à faculdade e vi que você trancou a matrícula. E a mudança na sua casa? Já não entendo mais nada.
    - Tranquei a matrícula pra cuidar dela, queria passar com ela ótimos últimos momentos. E não era uma mudança que você viu, eu só vou fazer uma super reforma em meu apartamento por causa da alergia que eu pensava que era um resfriado. Agora vamos sair daqui.

    - Mais uma vez, eu sinto muito. - ele me respondeu apenas com um meio sorriso. - Vou te levar pra outro lugar, precisamos esfriar a cabeça.

    (...)

Capítulo 7 - Suposto Fim


   (...)

    O tempo passou rápido pra mim, mas a expressão de Carlos dizia que pra ele, não.
    Ele fazia pose de conformado, mas quem o conhecia sabia que ele ainda estava muito triste.
    Não havia voltado ainda pra faculdade, estava de férias do trabalho, tinha deixado alguns Hobbies de lado.
    Eu não sabia se o entendia ou se ficava com raiva em vê-lo daquele jeito.

    Insisti que ele me acompanhasse numa entrevista.
    Quem sabe um passeio pelo litoral o animaria e agente poderia conversar.
    O dia estava lindo: o céu azul, nenhuma nuvem pra atrapalhar.
    Nós estávamos sentados no calçadão.
    O silêncio de nossos lábios parecia uma terceira pessoa nos separando de uma ótima conversa.

    - Quando quiser, podemos ir. - quebrei o silêncio.
    - Está bem. - respondeu-me automaticamente.
    Mais tempo calados. Nem ver as crianças brincando nos contagiava.

    - Como foi a entrevista? - perguntou educadamente.
    - É, acho que foi boa. - respondi sem nenhum entusiasmo. - Eu entendo o que você sente. - ousei continuar. - Mas nem ela gostaria de vê-lo desse jeito. Eu não gosto.
    - Mas o que eu posso fazer? - continuava com o olhar perdido no horizonte aos meus olhos desconhecidos.
    - Voltar, sair, sei lá, continuar. – ele olhou-me como se tudo que eu dissesse fosse incompreensível.
    - Você realmente não entende.
    - Sim, tem muitas coisas em você que eu não entendo. Eu sei que só quem passa sabe, mas não me culpe por não tentar.
    - Talvez eu deva dar um fim a isso. - afirmou pensativo.
    - É.- Disse eu, ao me levantar. - Talvez você queira ficar sozinho, quem sabe é melhor ficarmos sozinhos. - fui me retirando aos poucos, conformada com o fim de algo sem começo.
    - Mas porque não juntos? - interrompeu minha partida. - Era verdade o que você disse, ou você só estava desesperada?
    - Eu não estava desesperada! - me virei irritada.
    - E como se chama alguém que fala com um túmulo?
    - Ah! É disso que você está falando. - sentei-me novamente. - Eu fui sincera todo o tempo. - confessei.
    - Então é melhor darmos um fim a isso.
    - Se é o que você quer...
    - Mas dessa vez quero ser outro personagem.
    - Exatamente de que você está falando? - estava confusa. “Personagem?”.
    - Não é você quem diz que o fim de uma história é nada mais do que o começo de outra? E não era só em minha mãe em quem eu pensei esses dias. - não ousei perguntar em quem.
    Esbocei um sorriso bobo.

    - Que personagem você quer ser agora? - entrei na pilha, ignorando a última sentença, era difícil voltar a falar sobre aquele assunto.
    - Em vez de dar uma parte de meu coração a você, quero ter outra função. –continuou.
    - Hum, diga qual?
    - Quero ser não só parte, quero sê-lo inteiro. Quero ser aquele que tu achavas ter perdido, quero ser aquele que sempre está contigo, mesmo que tímido e discreto bombeie teu sangue de modo imperceptível.
    - Uau! De onde você tirou isso? - brinquei pra disfarçar o nervoso.
    - Você não esperava, não é? - sorriu, mas logo voltou a seu tom mais sério. - Se um dia você achou que não existi, ou que nunca estive em você alimentando sua vida, foi porque tinha medo de me tornar tão visível a teus olhos a ponto de expor minhas falhas que te afastariam e que talvez te fizesses desejar nunca me ter em seu peito.
    - Hum... Como poderemos começar essa nova história, a sinopse me atrai. - fiz cara de empresária de uma grande editora, como se aquilo não tivesse nada a ver comigo.
    - Quero que você comece, se essa for sua vontade.



    
    Um fim de uma história não é nada mais do que um começo de outra