Capítulo 1 - O Tribunal Interno

    
    Estava decidido!
    Apesar de reconhecer que não eram os maiores, nem mais graves, eu tinha meus motivos;  era o que importava.

    Tomei um a um...
    Não queria ver o nascer daquele dia.
    Era simples, rápido.
    A ninguém afetaria.

    Senti meu corpo amolecer...
    E, pouco a pouco, meus olhos fecharem...
    Mas ainda estava viva.

    Diante daquele grande tribunal interno, senti-me um tanto apreensiva.
    No entanto, não pensei em voltar atrás.

    Passei então a expor minhas razões ao representante de todo o corpo, o cérebro.
    Ele me pareceu equilibrado e bem compreensivo, me ouviu atentamente.
    Quando terminei, me fez um pedido:
    - Em nome de todos os órgãos e componentes desse corpo, agradeceria se nos concedesse três dias para avaliarmos o caso  e tomarmos uma decisão.
    Em respeito à razoabilidade que ele demonstrara ao me ouvir, decidi atender o pedido.

    Todos souberam da reunião de emergência.

    Em pouco tempo os representantes de todo o organismo estavam presentes.
    Alguns não faziam ideia do que se tratava.
    Outros mostravam pelo semblante que estavam bem cientes...
    - Desgaste dum coração!? Ora, eu estou aqui, vivinho da silva! - indignou-se o representante de tal órgão, diante da explicação de meus motivos pelo cérebro.
    - Precisamos ficar calmos. A situação é delicada. Ela me pediu que todos parássemos e deixássemos de lhe dar vida. - disse o cérebro - Ela desistiu de existir, pois se sente vazia, como se estivesse sem coração. Acredito que ela não sabe que não é de vocês que reclama, mas sim de mim. O sofrimento dela realmente é real, e eu sei bem seus porquês. - completou.
    - Mas... E quanto a nós? De que temos culpa? Queremos viver! - protestou a boca, sempre a mais falante.

    No princípio, eu estava indiferente àqueles argumentos. Mas depois passei a prestar mais atenção no que diziam.

    - Acredito que não temos mais o que fazer... Ela me encheu de remédios, me sinto um tanto zonzo, não consigo pensar numa maneira de reverter essa situação.
    De fato, o cérebro estava fora de seu normal.
    - Das longas caminhadas... - todos olharam para o representante dos membros inferiores - é uma das coisas de que sentirei falta. – explicou.
    Então me lembrei que antes de perder a alegria na vida eu costumava caminhar e pensar nas coisas belas.
    - Eu e meu irmão sentiremos falta de sustentá-la. Lembro-me dos nossos primeiros passos... Foi tão emocionante fazê-la sorrir! E os pais dela... Como ficaram bobos! - um dos pés completou induzido pela declaração anterior.

    E cada um falou das coisas que os fizera feliz até aquele tempo, de como era bom exercer suas funções.

    O cérebro ouviu aquilo atentamente e, lentamente me fez lembrar os bons momentos e de como os maus  me ajudaram a valorizar o que era importante.
    - Eu acelerei em cada um desses momentos, mas parece que ela não percebeu e, aos poucos, me esqueceu. Não, eu não sou a fonte dos sentimentos, mas recebi o mérito disso, pois a cada bom momento, todos vocês me ensinaram a dar prazer a ela. Agora por algum motivo externo ela me condena. Se for o que ela quer, então há uma última coisa que quero fazer: agradecer a vocês, meus amigos, por todas as sensações e bons momentos juntos, trabalhando em equipe. - desabafou o coração.
    - Talvez eu também tenha culpa... Essa minha mania de guardar tudo... Eu achei que estava fazendo o certo... Eu...
    - Não! - interrompi - Parem com isso! Vocês têm feito tudo certo, trabalhando em equipe por todo esse tempo. Perdoem-me o egoísmo, eu voltarei atrás e viverei por cada bom momento que me possibilitaram ter! Prometo colaborar, só não sei como...

    - Pode começar abrindo os olhos agora. - disse o cérebro.
    Saí do coma de três dias.

    (...)

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