Capítulo 6 - Insuficientes


    (...)

    Quando só ela, apenas ela domina, não há tempo, não há chance, é sua vez de falar.
    Eu a via, a sentia, e mais uma se aproximava. A tristeza e a dor da perda estavam de mãos dadas.
    Caminhando devagar, queria que tudo fosse um sonho, ou melhor, um pesadelo e que eu acordasse logo e tudo estivesse no lugar.
    Senti raiva por não terem me avisado, senti raiva por eu não ter ligado. Não era justo saber daquela maneira.

    O primeiro conhecido era Dona Rosa, que trabalhava na padaria.
    Nem esperança de saber uma explicação, ela estava inconsolável.
    A multidão se afastava para ir embora, minha visão estava um tanto turva, já não via mais nada.
    Perto do túmulo, reconheci Cássia. Ela estava abraçada com um homem que não conheci.
    Logo ambos saíram para outra direção e resolvi me aproximar.
    Sem chão, não acreditava no que estava acontecendo. Caí de joelhos e enfim deixei a emoção falar mais alto.
    Quis gritar, mas não o acordaria; nada o acordaria.
    Mas pelo menos algo eu precisava falar, mesmo sendo tarde demais.

    - Sei que não pode me escutar, mas não faz diferença se eu falar, não é? Vou te contar sobre uma jovem que conheci há algum tempo: Ela acreditava ter perdido seu coração. Até sorrir lhe doía, sabe? Ela estava sozinha... Quem sentiria sua falta? Mas não era só ela, existia muito mais envolvido. Ela estava enganada e continuou se enganando quando resolveu dar a si mais uma chance. Pois ela achou que venceria sozinha, e tentou de novo. Mas ela sabia que o coração que reclamara, realmente não tinha, eles só não a entenderam. Acho que era mais um defeito do que uma perda. Mas ela conheceu alguém que a entendeu e sem segundas intenções lhe ofereceu uma proposta. Era quase um transplante, era preciso certa compatibilidade. Ele se fez compatível, por algum motivo ou por pura bondade. Mas hoje ela se pergunta, se uma vida vale por outra, se valeu a pena o sacrifício. Porque hoje ela tem no peito algo pelo meio e ele acaba de deixar parar sua outra metade.  E você quer saber o fim dessa história? Sinceramente acho que nem eu sei dar um fim pra ela, acho que não consigo.
    - Não é você que diz que o fim não é nada mais do que um novo começo? Por que tanta dificuldade?
    “Só me falta essa, agora estou ouvindo vozes!”

    - O que você está fazendo garota? Levanta daí! - a voz continuou. Eu já a conhecia, mas era loucura, ela parecia muito..., mas não podia ser! Ai meu Deus não me deixe enlouquecer!
    - Você vai continuar desse jeito? Daqui a pouco enterram você. – ironizou.
    No principio não quis me virar, eu ficaria ali até que aquela voz fosse embora.
    Mas a curiosidade foi mais forte, primeiro levantei-me e depois me virei devagar.
    Quando o vi ali, esqueci qualquer possível insanidade e o abracei o mais forte que pude como se fosse pela última vez.
    E descobri que dois é sempre melhor do que um.
    - E se eu for um fantasma? - ele me perguntou.
    - Faz algum tempo que deixei de acreditar em vida após a morte e um abraço tão forte como esse tem de ser real. - respondi sem nem abrir os olhos desejando com todas as forças acreditar no que eu dizia.
    - Eu também acredito que ela está apenas descansando. - concordou.
    - Ela quem? Quem está ali? - direcionei meu olhar, para a lapela, onde estava escrito o nome de dona Maria.

    Daí, pude entender tudo.
    - Eu sinto muito, foi bom saber que não era você, mas eu também não... - não sabia o que dizer.
    - Tudo bem, ela já estava doente há um tempo eu só não quis contar pra você naquele dia que soube de sua viagem.
    - Mas e a tosse? Eu fui à faculdade e vi que você trancou a matrícula. E a mudança na sua casa? Já não entendo mais nada.
    - Tranquei a matrícula pra cuidar dela, queria passar com ela ótimos últimos momentos. E não era uma mudança que você viu, eu só vou fazer uma super reforma em meu apartamento por causa da alergia que eu pensava que era um resfriado. Agora vamos sair daqui.

    - Mais uma vez, eu sinto muito. - ele me respondeu apenas com um meio sorriso. - Vou te levar pra outro lugar, precisamos esfriar a cabeça.

    (...)

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